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quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Compreendendo o desconhecido - Parte I

      Entendo a maternidade como uma das grandes oportunidades para aprendermos a amar, mas também um dos grandes desafios numa sociedade patriarcal e desigual, descrevo um pouquinho da minha trajetória inicial frente a um disgnóstico de autismo, de suporte 1, da nossa filha. Marcadores como classe, etnia/raça e gênero importam muito, na análise da vida em sociedade, especificamente, na análise de acesso e garantia de direitos. Numa família de brancos de classe média, o acesso a um diagnóstico de autismo poderá ser privilégio frente, a uma família negra, em extrema pobreza. Consciente disso, mas, mesmo que de forma diferente, fomos marcados pela dureza da industria da saúde, no nosso País. 

       Com um histórico calcado pela alergia alimentar (fruto ou não da seletividade alimentar), pela falta de noites de sono e pela irritabilidade, somente, na idade escolar (dos 7 aos 8 anos) que iniciaram as suspeitas de que havia algo diferente no desenvolvimento da nossa filha. A escola inicou as diversas observações demarcando as saídas reincidentes dela, da sala de aula, somado ao relato sobre as situações, em que ela, parecia não ouvir o sinal tocar e não entrava para a sala de aula (dando a impressão que estava perdida no pátio da escola, sem noção do tempo). Nossa filha, é conhecida por todos (as), na escola, sempre comunicativa e simpática. Apesar disso, ela,  interagia, recorrentemente, com apenas uma coleguinha na escola. Logo, além da seletividade, foram sendo apresentadas outras dificuldades relacionadas a concentração e foco e a aprendizagem da matemática. Em contrapartida, ela apresentava uma habilidade nata para as artes. Aliás, atualmente, realiza até exposições dos seus desenhos. Porém, sentiamos que havia algo para compreender. Algumas vezes, foi destacado pelas professoras da escola, a necessidade de buscarmos uma avaliação. Entretanto, ninguém imaginava o possível diagnóstico.  

       Sem suporte e pouca orientação, enquanto pais, imaginávamos que havia no desenvolvimento da nossa filha, apenas algumas dificuldades que poderiam ser sanadas logo adiante, com aulas dirigidas e disciplina de estudo. Entretanto, começou a ser gritante a agitação dela para cumprir os tempos de estudo bem como, qualquer realização de tarefas escolares. Foram aumentando as situações de irritabiliade e choro, até o dia em que após um aniversário, com som alto e muitas pessoas, nossa filha,  teve choro compulsivo, muita irritabilidade e visivel desconforto, pedindo aos gritos que a retirasse dali.. Era a primeira crise sensorial, caracteristica do transtorno de processamento sensorial (TPS), muito comum em pessoas com diagnóstico do Espectro Autista. Porém, não imaginavámos a causa da manifestação do desconforto, apresentado por ela. Isso foi em agosto de 2023, e no mesmo mês, procuramos uma psicóloga para compreender o que estava acontecendo no desenvolvimento da nossa filha. 

        Em menos de dois meses de acompanhamento psicológico, ela  foi encaminahada para avaliação da Terapeuta Ocupacional, tendo o primeiro diagnóstico: Disfunção de Integração Sensorial, o qual interfere na participação social e realização de atividades cotidianas. Conforme, Fernanda Carneiro (2023), no livro Simplificando o Autismo: para Pais, Familiares e Profissionais, a Disfunção de Integração Sensorial (DIS) é uma alteração no Sistema Nervoso Central para processar informações sensoriais, podendo alterar os oito sistemas sensoriais: sistema tátil, vetibular, proprioceptivo, visual, auditivo, gustativo, olfativo e interoceptivo. Dessa forma, as alterações no processamento das informações, podem desencadear muitas dificuldades na regulação do sono, na alimentação, atenção, na aprendizagem e no funcionamento emocional e social. A sobrecarga, para a pessoa com DIS, pode culminar num pico de excitação ou dominuição do nivel de alerta, em todas as situações, comprometendo as habilidades funcionais, podendo causar uma crise sensorial. Para maior compreesão indico para leitura:https://www.amazon.com.br/Simplificando-Autismo-Para-familiares-profissionais/dp/6559226107/ref=sr_1_1?adgrpid=150038348533&hvadid=661998717734&hvdev=c&hvlocphy=9074134&hvnetw=g&hvqmt=e&hvrand=9492059910658044270&hvtargid=kwd-1460722017550&hydadcr=21828_13350393&keywords=simplificando+o+autismo&qid=1706179946&sr=8-1.  

       A DIS, foi o primeiro diagnóstico da nossa filha. Assustados diante do desconhecido e percebendo, nela, muitas alterações de sono, seletividade alimentar e extrema irritabilidade com sons e texturas, continuamos as sessões de terapia com a psicóloga e logo, agendamos a consulta com a pediatra que nos encaminhou para uma das importantes referencias na área do autismo, no Rio Grande do Sul, o neuropediatra Felipe Kalil: https://www.instagram.com/drfelipekalil?igsh=bWExajZmc3VodzM3   https://www.instagram.com/felipekalilneto?igsh=cHlnNmh6dTZ0eXhj

     Até aqui, já haviamos investido muitos recursos contando, incluive, com o cheque especial do banco. Sim, famílias brancas de classe média, no Brasil, possuem um bom crédito e um bom limite no banco. Geralmente, também são as famílias com maior endividamento, tal como informa a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em publicação realizada em junho de 2023. Mesmo tendo plano de saúde, a angútia para compreender o que estava afetando o desenvolvimento da nossa filha, propiciou que buscassemos realizar todas as consultas e avaliações, de forma particular já que, pelo plano de saúde teríamos que aguardar, em média, dois meses por uma consulta com neuropediatra e, muito provavelmente, fosse inviavel a efetivação de todas as avaliações (neuropsicólogica, avaliação sensorial etc) via plano de saúde. E porque não tentar pelo Sistema Único de Saúde (SUS)? O SUS é caracterizado pela universalidade e integralidade, entretanto, não foi dotado de recursos orçamentários capazes de fazer cumprir seus objetivos. Apesar do PIB brasileiro ter ultrapassado US$ 1 trilhão de dólares, o investimento público em saúde é de apenas 3,5 do PIB, o que proporciona o investimento de menos de US$ 300,00 dólares por habitante, quantia insuficiente para financiar o sistema público de saúde, bem abaixo do valor recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo o minimo admissível o valor de US$ 500,00 dólares por habitante: https://www.scielo.br/j/rcbc/a/Jf6H5ysW6k7Q5ztL7cDqWdm/O resultado é catastrófico! Ou seja, o acesso a uma especialidade médica, pode demorar até dois anos, sem falar em avaliações específicas, muitas vezes, necessárias em caso de suspeita do Espectro Autista. Investimento sério e comprometido com as Politicas Sociais Públicas, é urgente!

    Exaustas, corriamos de um profissional para outro, de uma avaliação para outra. Foram, em média, quatro meses de muita correria, investimento financeiro e emocional. Nesse período, já havia "sacado" que o segundo diagnóstico estava por chegar, mas dependia de mais recursos. Fui sacando também que, no Brasil (Pais de histórica desigualdade social, economica e política) a garantia de direitos, muitas vezes, esta atrelada ao poder de quem tem recursos e/ou conhecimento suficiente, para acessá-los. O acesso aos especialistas, as terapias necessárias, a escola inclusiva etc, simplesmente, não acontecem para as pessoas, consideradas pobres. Apesar de tudo, temos uma legislação social rica na descrição da garantia de direitos, que contradiz com a implementação de politicas sociais públicas eneficientes. Enfim, a corrida pelo diagnóstico e pela garantia de direitos não terminou, apenas havia começado. 





      

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